sábado, 9 de abril de 2011

A Gaushala do Gir Kathiawar em Curvelo, ou O Gir EVA White da Fazenda Caraíbas de José Alfredo.

O termo GoShala ou GauShala em Sânskrito é utilizado para designar um local de refúgio ou santuário para bovinos; Go ou Gau significa vaca e Shala significa santuário.
Na Índia, onde a relação humanos & bovinos está fundamentada em questões religiosas e filosóficas antiquíssimas (de difícil compreensão para a nossa cultura ocidental cristã e sua visão pragmática e comercial dos bovinos) as GauShalas assumem importante função na preservação cultural religiosa e filosófica e na assistência e acolhida para bovinos acidentados, velhos, doentes bem como para a preservação de raças puras de gado Indicus.
Entretanto, podemos considerar que existem sim, algumas GauShalas no Brasil, originadas por criadores singulares que tiveram coragem de acreditar nas suas crenças pessoais zootécnicas e sensibilidade, intuição e perseverança para alcançar êxito no seu trabalho.
Dentre os mais conhecidos, podemos lembrar a família Carvalho Dias com o Caracu Caldeano da Fazenda Chiqueirão, João de Abreu e herdeiros com o Guzerá JA da Faz. Itaóca, o nelore pele rosa da família Lunardelli (originária de gado de Eurípedes de Paula), o Sr. Sebastião Oliveira resgatando o gado Franqueiro no Rio Grande do Sul e especialmente o Dr. Evaristo de Paula no Gir com o gado EVA a partir de White e uma seleção consanguínea com descendentes de Ghandi na fazenda Curtume.
A abrangência e a importância da genética selecionada pelo Dr. Evaristo é inquestionável, dada a sua influência em praticamente todos os currais de Gir do Brasil em algum momento no passado ou no presente.
Portanto, foi com grande satisfação que acompanhei, convidado pelo amigo Ramilton Rosa a formidável comitiva (Edmardo Naves – faz. Cocal, José Carlos Lobo – Gir Camaratuba, Sami Sab, Otacílio Ferreira, Ramilton Rosa – Gir Prisma, Rogério Ohhira e Edineive Gerardo) de criadores de Gir que visitou em Curvelo a fazenda Caraíbas do Sr. José Alfredo genro do Dr. Evaristo, discípulo da filosofia seletiva EVA e guardião dessa genética com um rebanho fechado original.
Enquanto me aproximava de Curvelo pude observar uma paisagem que não conhecia “in loco”. O cerrado da região central de Minas. Localizado em altitude, acima dos 600 m com a vegetação típica de zonas secas e terras fracas com arvores baixas, arbustos e forragem grosseira. Salvo alguns “bolsões” de pastagens cultivadas e dos reflorestamentos de eucaliptos percebe-se que ali as condições naturais exigem um gado rústico e capaz de enfrentar condições alimentares adversas. Mesmo em final de março não vi a abundância de “verde” que estamos acostumados no Rio de Janeiro nesse final de período de chuvas.
Ao chegarmos uma primeira constatação, o Gir EVA é realmente manso e calmo. Logo na entrada um lote de vacas e novilhas deitadas com algumas em pé ruminava á beira da estrada, e apesar dos dois carros que pararam e das pessoas que saíram para observá-las, tal como estavam permaneceram.
                                            Ramilton fotografando o gado na chegada à Fazenda Caraíbas.
 Já era hora do almoço quando José Alfredo e Haroldo Paulino nos receberam na sede próxima ao curral. Minha primeira impressão não podia ser melhor. Uma velha casa de fazenda, rústica, acolhedora, confortável, na medida certa, autêntica e totalmente integrada à paisagem e ao contexto, tendo por vizinha a uma centenária gameleira (Ficus doliaria).
                                                       Gameleira fotografada np final da tarde.

Feitas as apresentações, pessoalmente eu só conhecia o Ramilton e Jose Alfredo pela internet, tratamos de degustar um almoço mineiro feito no fogão à lenha e temperado de boa “prosa” à mesa.
Seguimos dali para o curral a uns 150 metros, no caminho uma bezerrada bonita, bem uniforme apresentando um lote de pelagem e fenótipo típico EVA (branco) e um bom número de chitados que depois, vim saber ser progênie do touro Bauru (filho de Guarabá -> Vate x vaca EVA White X Vaca Castor HL -> Quilate ZS que é Autêntico EVA x vaca Alecrim).
                                                      Curral da faz. Caraíbas
                Baurú – Guarabá-> Vate (Guardião x Angatuba filha de genuíno EVA)  x Vaca Castor HL - > Quilate ZS -> Autêntico x vaca Alecrim;
A bezerrada e alguns tourinhos que estavam juntos também, muito mansos nos seguiram ate o curral.

                                                     Bezerros EVA

 A tarde foi toda dedicada a apreciar o gado que foi trazido dos pastos pelo Marcinho e apresentado pelo José Alfredo com o Haroldo assessorando e a turma avaliando, comentando, fotografando e informando-se sobre os animais.
Destaque do plantel o touro ZIP. Já conhecia através de fotos. Ali, ao vivo, ZIP impressiona. É um touro grande, elegante, excelente caracterização, manso, um animal típico EVA apresentando as polêmicas manchas claras evidenciadas pela idade. Fica claro que a pele clara não é prejudicial. Considerando a intensa exposição solar da região, agravada pelo fato da altitude, em todos os animais que percebi as manchas de pele clara o aspecto exterior era tão saudável quanto em qualquer outro animal com pelagem escura.

             Zip -> Guarabá -> Vate (Guardião x Angatuba filha de genuíno EVA)  x Vaca Mainazinho (fechada EVA);
Uma boa parte das novilhas, garrotes e bezerros filhos de ZIP que pude observar no gado provam a conscistência na progênie.
O Gir EVA White como um todo, em minha opinião, mostra as seguintes qualidades:
Temperamento tranquilo, ideal para animais leiteiros;
Ótimos aprumos, linha de dorso, arqueamento de costelas;
Vacas, novilhas e bezerras com veia mamária explícita, úberes bem pregueados, flexíveis e tetas de ótimo tamanho e posicionamento. Algo dificil na raça Gir estas qualidades são regra no EVA. Algumas vacas com mais idade e excelente condição demonstram a longevidade do EVA.


Bezerros muito bem criados pressupondo que embora na Caraíbas não seja feito controle leiteiro ou ordenha diária sistemática (apenas das vacas recém paridas pois os bezerros não dão conta do que as vacas produzem) todas as vacas além do tipo para leite produzem bem.

Caracterização racial e expressão lapidadas e evidenciadas, indicando potencial elevado de heterose em cruzamentos com Gir (outras linhagens), Holandês ou qualquer outra raça bovina.
O curral do José Alfredo é prático, sem luxos, deixando claro um manejo sustentável, a pasto, natural, outra gameleira centenária junto à cerca também proporciona boa sombra além do rancho. De equipamentos só vi o básico, carro de bois e picadeira. Cochos? Insuficientes para todo o rebanho o que me leva a crer que o rebanho convive em harmonia com a sazonalidade da região – uma boa porção de pastos cultivados ao redor da sede e as pastagens de cerrado.
O sábado terminou com um jantar dos melhores, frango caipira e acompanhamentos em um local próximo à fazenda, mais uma vez com muita prosa.
Domingo foi dia de repassar o gado, e fazer negócios. Marcinho e Haroldo retomaram a labuta do dia anterior auxiliando o José Alfredo na lida com o gado, e a comitiva reavaliando as anotações, apartando e acertando detalhes com o José Alfredo.
No início da tarde chegou a hora de voltar para casa. Um trecho bom de estrada para boa parte que mora longe – Uberlândia, Goiás, SP, RJ, PE...
O saldo do fim de semana pelo que vivenciei foi extraordinário. Bons amigos reencontraram-se, novos amigos conheceram-se melhor, a prosa foi da melhor qualidade, o privilégio de conhecer e apreciar o gado e o trabalho de seleção do José Alfredo uma satisfação para quem gosta de Gir.
Para quem interessar, recomendo a leitura de duas matérias no antigo Blog do Gir, uma do José Alfredo e outra sobre carta do Dr. Evaristo encaminhada a ABCZ:
Gir Kathiawar – Carta Evaristo de Paula à ABCZ – Blog Gir Brasil http://girbrasil.blogspot.com/2007/08/histria-evaristo-de-paula.html
(marque os links, copie e cole no explorer para acessar as páginas)
Retornei ao Rio de Janeiro convicto que existem GauShalas no Brasil, e uma delas é a fazenda Caraíbas. Aproveito para parabenizar o Sr. José Alfredo pelo trabalho que ali desenvolve, pela genética que preserva, pela história que constroi, e também para agradeçer pela generosa acolhida e hospitalidade.
Quanto ao Gir EVA, nada melhor que lembrar um dito do Dr. Evaristo conforme José Alfredo:

“...na minha família eu tenho filhos que não sabem porque gosto de Gir.
Outros, acham graça daqueles que gostam.
Outros, gostariam de gostar.
E acho que tem uns que tem raiva daqueles que gostam...”
Dr. Evaristo de Paula

SEJ Johnsson
26 e 27 de  março de 2011
Rio de Janeiro

                                                     Touro EVA White